10 MANDAMENTOS DO PALHAÇO
- - Payaso Chacovachi
- 11 de set. de 2015
- 8 min de leitura
1. SERÁS A EXAGERAÇÃO NÃO A CARICATURA DE TUA PESSOA Chacovachi define o palhaço como "o pior ator do mundo". Para ele é um ser livre, exagerado, cujo fim é fazer rir através do delírio, da provocação e da denúncia. O palhaço de rua conta com três liberdades que quase nenhum outro ofício possui: a liberdade física, psíquica e monetária. A liberdade física consiste na possibilidade de abrir o que logo chamaremos "o campo de batalha", o espaço no qual o palhaço decide fazer sua função. Chacovachi descobriu que poderia trabalhar "onde quiser; a cidade estava cheia de praças, o país cheio de cidades e o mundo cheio de países". A liberdade psíquica consiste na necessidade ontológica do palhaço de Ser. Não tem porque ser um expert nas ferramentas que emprega, simplesmente já basta com ser. Isto o libera da pressão do qualitativo e o permite produzir com o que tem à mão, abrir e ampliar os recursos com os que conta sem deixar-se limitar e sem deixar de ser efetivo. Isto se vincula com a liberdade econômica, que se baseia num princípio fundante: "ganhar o dinheiro em relação a minha capacidade e esforço". Assim, vemos que a pressão que poderia significar a qualidade é revertida em um sentido positivo, em um sentido de motivação que aparenta com a condição de "busca vidas" (que se vira para sobreviver) do palhaço de rua. O palhaço, de acordo com Chaco, não atua, e se o faz, representa, nunca interpreta. Não existe uma distância entre o palhaço e a pessoa. Segundo ele, há três formas de atuação: representar, interpretar e ser. Ao palhaço lhe corresponde a de ser. Neste ponto é necessário fazer uma distinção entre o palhaço e o "clown": "Os clowns e os palhaços são irmãos, filhos da mesma arte, só que o palhaço é um filho não reconhecido e o clown é um filho gestado em um ventre alugado ao teatro (...) Para ser palhaço só é preciso atrever-se, para ser clown é preciso estudar". O clown requer mestres. Ao contrário, o palhaço se vai criando de maneira autodidática, em sua própria prática. O modo de trabalho é o teste e o erro e a reformulação constante dos números e rotinas. Chaco assinala que "(...) se sai de tua casa com uma malinha, com figurino e vai a uma praça, convoca as pessoas, faz uma função e passa o chapéu e volta para tua casa, és um palhaço de rua". O clown, em contrapartida, está em constante busca e questionamento de sua definição.
2. NUNCA SE IRRITARÁS COM O PÚBLICO Chaco diz que fazer uma função de palhaço na rua é como jogar xadrez. Todos sabem como se joga. O palhaço joga com e contra o público. Move o palhaço e move o público. De acordo com o movimento do público, move o palhaço. Parece óbvio dizer que sem o público a função não se pode realizar, mas há que ressaltar que o público que assiste os espetáculos de rua tem características próprias que o diferenciam, classes sociais, etc. Muitas vezes, considera-se esse público como desprevenido, já que não sabe com o que vai encontrar, em ocasiões ao ponto de ser um encontro praticamente casual. Não tem o tipo de expectativas tão definidas como as tem o público que paga uma entrada para uma apresentação em um verdadeiro "campo de batalha" entre o público e o palhaço, produzindo-se uma relação de reciprocidade e proximidade muito maior que em outros tipos de espetáculos em espaços mais convencionais.
3. NA RODA SERÁS O CENTRO DO UNIVERSO Um dos principais desafios de trabalhar no âmbito público é o de manter a atenção dos espectadores. Na rua, como se disse anteriormente, o público tem uma relação muito próxima com o Palhaço. É por esse motivo que, segundo Chacovachi, o Palhaço de Rua deve ter a capacidade de chamar e reter a atenção do público. Uma das coisas que joga a seu favor é o trabalho em roda. As pessoas o rodeiam. O trabalho em círculo permite que o público veja seu próprio reflexo o que gera a risada que ricocheteia. Tem algo de ritual. O que faz a risada é unir as pessoas. E isso é ancestral. Chacovachi assinala que é importante delimitar o espaço e percorrê-lo para construir o espaço de trabalho constantemente. Isso permite que o público possa ver o palhaço com maior facilidade. Há outros elementos com os quais o palhaço conta para manter o público cativo. Um deles é ter um pouco de maldade. Uma maldade que é também um pouco de zombaria mas que não é nem agressiva nem estupidizante: não busca fazer rir a partir da estupidez pela estupidez mesma, senão desde a estupidez do palhaço. Isto se vê claramente, por exemplo, no trato que Chaco tem com as crianças. Não os rebaixa, se põe na mesma altura e os trata como se tratam entre eles. Não lhes diria nada que um pai não lhe quisesse dizer estando bravo como quando, por exemplo, lhes pergunta: "Vocês gostam de viver neste mundo? Sim? Já vai passar."
4. NUNCA DUVIDARÁ DE SEU MATERIAL EM CENA. Uma vez na roda, o palhaço só conta com seu material: suas piadas, números e rotinas: seu espetáculo. Quando duvida de seu material de trabalho, duvida do que é e, deste modo, perde a dignidade. Seguindo com o paralelismo com o jogo de xadrez, Chaco diz que o rei é a dignidade e a fonte de energia do palhaço. "Se você perde alguma destas qualidades, deve dar-se por morto. A rainha é sua personalidade e sua atitude, é a que defende e ataca, a que pode ganhar sozinha uma partida, a que vai para onde quer e quando quer. Jogar sem atitude e sem personalidade torna muito difícil o triunfo."
5. DIANTE DO FRACASSO USARÁS A FRASE "TO CAGANDO E ANDANDO" O palhaço deve ter em conta que o fracasso é parte fundamental no processo de criação de um espetáculo. O método é de teste e erro, a reformulação constante dos números e das rotinas. Os números de um espetáculo de palhaço de rua não se pode ensaiar. Só se pode provar sua "efetividade" no jogo com e contra o público no "campo de batalha" que é a roda. Um número pode levar vários anos de trabalho, testes e erros. O palhaço pode ter a ideia da estrutura de um número que logo passa pela fase de teste que só pode acontecer diante do público. Nesse momento se testa a efetividade ou o fracasso da rotina ou da piada. A reformulação ocorre logo depois da função. Isto está intimamente relacionado com o mandamento número sete que se baseia na possibilidade de voltar a testar mudanças na função seguinte.
6. NUNCA USARÁS MATERIAL DE OUTRO PALHAÇO QUE TRABALHE NO MESMO LUGAR / PRAÇA / CIDADE. Chacovachi, em seus trinta anos de experiência como Palhaço de Rua, entendeu que um número é um número quando se pode "roubá-lo". Do mesmo modo, uma piada pode ser considerada como tal quando se torna anônima. Não deveria haver maior honra para uma rotina de palhaço que a de tornar-se anônima e passar a ser "clássica". No mundo das rotinas, se poderia afirmar que não há nada verdadeiramente novo. Dentro do trabalho do palhaço, as gags e as piadas podem renovar-se mas a estrutura mantém-se com o correr dos anos. Por estes motivos, é fundamental que entre os palhaços de rua existam certos códigos de convivência. É importante estar em contato com o trabalho dos colegas e saber reconhecer o trabalho de outros.
7. ESTARÁS CONVENCIDO DE QUE SE NÃO É HOJE SERÁ NA PRÓXIMA VEZ, MAS ENCONTRARÁS O SENTIMENTO QUE ESTÁS BUSCANDO. Como se disse anteriormente, é fundamental que o palhaço nunca perca a dignidade, para isso deverá confiar em seu material de trabalho já que é só com isso que conta na hora de jogar com e contra o público no "campo de batalha". Parte dessa dignidade do palhaço é sua autenticidade, já que não existe distância entre o palhaço e a pessoa. O palhaço deve crer plenamente no que está fazendo para poder seguir no jogo e manter o público interessado. Se alguma piada, gag ou número não é de todo efetivo, sempre há a possibilidade de voltar a tentá-lo e reformulá-lo. Isto, por sua vez, está relacionado com a liberdade psíquica que tem esse ofício, já que se o palhaço, uma vez que sai à rua com seus elementos de trabalho, escolhe um lugar no espaço público, consegue atrair o público, consegue levar a cabo sua função, faz rir, passa o chapéu e volta para sua casa vivo, ninguém pode dizer que não seja um palhaço. Porque para Chacovachi o palhaço "é".
8. NÃO NEGARÁS NENHUM DESAFIO. O ofício de palhaço de rua está cheio de desafios que podem ter diversas naturezas. É esse o risco que o mantém andando e sempre alerta. O palhaço que propõe Chacovachi é um palhaço que trabalha consigo mesmo e com seu público, formado em parte com quem o está observando. Do olhar do outro vem o risco, e esse risco alimenta o trabalho do palhaço de rua. Em outras palavras, trata-se de uma palhaço "terreno", alguém que "é". E isto repercute por sua vez alguns princípios éticos próprios. Essa presença no mundo, no "campo de batalha", o vínculo com o outro e o compromisso vital confluem no método de xadrez nas três liberdades do palhaço, e no componente "busca vidas" (que se vira para sobreviver) que tem esse ofício. Toda experiência, má ou boa, servirá ao palhaço em sua formação.
9. ESTARÁS AGRADECIDO POR TODA SUA VIDA AOS QUE TE INSPIRARAM. AINDA QUE NÃO TE CAIBAM BEM. Este ponto está relacionado com o mandamento número seis: Nunca usarás material de outro palhaço que trabalhe no mesmo lugar / praça / cidade. Que implica no reconhecimento e respeito pelo trabalho de outros. Além disso, está vinculado com o fato de que qualquer um pode ser um palhaço, inclusive sem saber. Qualquer um pode nos servir de inspiração. chaco afirma que há muitos palhaços escondidos em ofícios sérios: mediáticos, políticos, comentaristas de futebol, poetas, críticos de arte, familiares, etc...
10. SERÁS POLITICAMENTE INCORRETO. Distante dos estereótipos do palhaço todo colorido e com voz fininha (que parece estupidificada e, por isso, perdendo a dignidade) o palhaço de rua, para Chaco, é quase por natureza, politicamente incorreto. Um claro exemplo deste ponto foi o legendário Pepino o 88, Pepe Podestá, que era temido pelos políticos pelas coisas que dizia. Talvez esta característica se deva ao âmbito no qual o Palhaço de Rua se desenvolve: no espaço público. O palhaço se gesta de acordo com o público que o rodeia, define e reflete a sociedade a que pertence e para a qual se apresenta. Logo depois de algum tempo trabalhando no Parque Centenário, no bairro de Caballito, localizado no centro da Cidade Autônoma de Buenos Aires é um dos bairros com maior população da capital. Chaco passa a trabalhar na Praça França, em frente a entrada do Centro Cultural Recoleta, em um bairro em que há um maior nível econômico e um status de vida superior. Além disso, nos fins de semana é um lugar muito concorrido. A mudança de público, principalmente a classe social deste, marcou uma mudança na carreira de Chaco, não só no montante que arrecadava ao passar o chapéu. Esse foi o público com o qual se gestou na época pós-ditadura em que o palhaço simbolizava a volta da democracia e a recuperação dos espaços públicos. Os espectadores desfrutavam os espetáculos com certas tintas de crítica social e política. Em certa medida, chaco criticava a classe social para a qual estava trabalhando. Surpreendentemente, o público parecia desfrutar e festejar seu espetáculo. O palhaço dizia o que os espectadores não se animavam a dizer. "Aos palhaços é permitido dizer coisas que os comuns mortais não podem dizer." Sobre isso, Chaco acrescenta: "Nossa função foi denunciar, criticar, delirar, tudo isso encoberto com humor porque se o humor pode ser com um pouco de justiça, melhor. De alguma maneira, os palhaços têm utilizado o humor para fazer justiça."

Foto: Chacovachi
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